Anteontem fui vítima de uma tramóia bem sórdida. Como já contei, estou renovando minha habilitação. Aliás, diga-se de passagem, estou com a porcaria vencida já há um bom tempinho, mas, sacumé, né?... Num dia deu preguiça, no outro o tempo estava curto demais, e assim fui arrastando a providência inevitável até o último suspiro.
É bem importante salientar que pra uma mulher há, ainda, uma complicação terrível na hora de fazer novos documentos. Sempre queremos estar com cabelos lindos, pele magnífica, enfim, com uma aparência rigorosamente irretocável pra não fazer feio na foto. Até os brincos passam a ser requisito fundamental na composição da figura. Justamente por isso, adiei a renovação o máximo que pude. Não queria exibir uma cara despreparada num documento que vou ter que aturar por cinco longos anos. Só que pra atender à exigência da seguradora do meu carro, acabei tendo que fazer tudo às pressas do mesmo jeito.
Comecinho de ano, correria doida, precisei tirar a foto justamente num dia em que tinha outros compromissos. Pra não correr o risco de não encontrar a loja aberta mais tarde, resolvi que essa seria a primeira coisa que faria naquele dia. Na medida do possível, dei aquele tratinho na minha cara e lá fui eu pro fotógrafo. Vale a pena dizer que odeio tirar fotos de qualquer espécie. Não fico natural e sempre apareço torta, como se tivesse acabado de sofrer um derrame. Mas foto de documento não tem muito segredo, né? É só sentar lá, fechar a boca e pronto, tá feito. Hum... Antes fosse!... Malditos tempos modernos! O homem achou que eu estava séria demais e pediu uma risadinha. Ô, como assim, risadinha em documento, meu chapa?... Tá doido??? O resultado foi aterrorizante, com o sorrizinho nervoso fiquei mais torta ainda. Bom, pelo menos, entre as várias imagens captadas deu pra escolher uma menos ruim. E pra não ter que fazer isso tudo tão cedo de novo, pedi logo dez cópias.
Mas ainda não estava conformada. Assustada com o que vi, achei que devia passar rapidinho pelo cabeleireiro e, se ainda houvesse tempo, tiraria outra foto. Foi o que fiz, pra alegria do japa fotógrafo, que mais uma vez fez mil macaquices pra eu rir. Pronto, mais dez cópias, agora com cabelinho muito mais bonitinho. Ah, assim sim! Já me imaginei exibindo uma habilitação decente por aí, que pelo menos me permita tirar cópias em preto e branco sem parecer que sou a Marge Simpson, como nesta maldita foto da minha identidade. Sei lá porque esse diacho fica assim, meu Deus! Juro que no original é diferente.
Papelada e foto no despachante, ontem fui fazer a provinha obrigatória no Centro de Formação de Condutores, como última etapa do martírio da renovação da CNH. Sendo habiltada já há 25 anos, isso torna-se um saco, mas fazer o quê? Final de tarde, uma chuva danada, fui a pé até o local da prova, que é bem perto da minha casa. Oras, um quarteirão apenas, pra quê caprichar no visual? Com aquela chuvarada toda, ficaria um horror de qualquer jeito. Chego lá e depois de submeter minha digital ao leitor ótico, ainda precisei ficar em frente da câmera do computador da mocinha. Sabe pra quê? PRA TIRAR A FOTO QUE IRÁ PRA HABILITAÇÃO!!!!!!!! E é assim que aparecerei no documento nos próximos anos: vestida com a camiseta do meu filho, de cabelo molhado e sem um mísero pingo de maquiagem nessa cara sapecada! Nem um batonzinho, meu Deus! Nem brinco, nada. Nada. Naaaaaaaaaaaaaaaaaaada!!!! Protesto! Vou exigir que o DETRAN me devolva a grana que gastei no cabeleireiro, centavo por centavo!
Vale como informação adicional que estávamos em três pessoas pra fazer a prova: duas mulheres e um homem. Adivinha só quem ficou por último, com cara de paisagem e nunca mais saiu da sala? Ah, mas esses homens!... Vai ver o pobrezinho tá lá até agora. Depois dizem que as mulheres deveriam pilotar só fogão. Tá vendo como não é à toa que atualmente os melhores chefes de cozinha são os rapazinhos?
Enfim, o mais cruel é não ter como resolver rapidamente esse baque emocional do qual fui vítima, porque minha psicóloga está de férias. Epa, pera aí!... Pensando bem, isso está me cheirando sabotagem, sabe? De repente foi ela mesma quem encomendou todo esse enrosco só pra desgraçar minha imagem e assim garantir a terapia por, no mínimo, mais cinco anos, tempo em que terei que ficar olhando pro meu look de flagelada de enchente. Boto mais essa na continha do DETRAN, isso sim.
Ilustração: Ceó Pontual