sexta-feira, 27 de abril de 2012

Vai um tsuru aí?



Antes de mais nada deixa esclarecer a quem tá chegando agora que este não é um espaço voltado para informações sobre câncer, tá? Acontece que falo sobre coisas do meu dia a dia e, inevitavelmente, este será um assunto que passarei a abordar com alguma frequência, já que o bonitão (feião, isso sim!) apareceu, provocando uma reviravolta temporária na minha vida. 

No post anterior falei sobre algumas vantagens que inacreditavelmente o câncer traz. Mas não citei a principal delas, que é a solidariedade. Caraca, é muito bom ser mimada e receber tanta atenção!

 
Tenho recebido muitos telefonemas e visitas de gente bastante querida ultimamente. Aí, no sábado passado, foi uma farra aqui em casa, um entra e sai o dia todo, com o povo concentrado em preparar algo muito especial pra mim: a confecção de tsurus de papel. Que diacho é isso? Olha só:


"Tsuru é uma ave, que no Japão simboliza saúde, fortuna, boa sorte e felicidade. Se tornou uma lenda por causa de uma japinha chamada Sadako Sasaki, que foi vítima da bomba de Hiroshima. Aos 12 anos de idade, Sadako desenvolveu leucemia, em consequência da radiação recebida com a descarga da bomba. No hospital recebeu a visita de sua melhor amiga, que lhe propôs dobrar mil tsurus, na intenção de obter a cura. Mas Sadako não conseguiu dobrar os mil pássaros (ops!... xô uruca!) e fez apenas 964 até o dia da sua morte. Seus colegas de classe, então, terminaram de dobrar o que faltava para completar os mil pássaros, inciando, a partir daí, uma campanha pela paz mundial. Assim, diz a lenda que quem fizer mil dobraduras desse pássaro (considerado também ave-símbolo do origami), com o pensamento voltado para aquilo que se deseja alcançar, terá bons resultados (apesar da coitadinha da Sadako ter entrado pelo cano)."


Então, minha mana caetana, Elaine, teve a ideia genial de iniciar as dobraduras a meu favor, mobilizando uma porradinha de gente. Toca todo mundo aprender a dobrar tsurus! Vou falar a verdade: achei difícil esse troço, viu? Me falta o neurônio da dobradura. Mesmo acompanhando o passo a passo nesse vídeo, me enrolo. 

Com isso, minha casa está ficando coloridíssima, lotadinha de tsurus por tudo que é lado. E eu, muito mais feliz e animada, é claro. Recebo cada dobradura como um carinho, um abraço bem apertado, tão fundamental nessas horas de perrengue. Até o poderosíssimo japa presidente da Nissin no Brasil (empresa que fabrica o Miojo Lamen) fez este tsuru pra mim, olha que encardida tô ficando! Chegou às minhas mãos através de uma prima, muito embora a gente achasse que, tendo sido feito pelo japa fudidão, o bicho ia chegar voando sozinho aqui, cantando e sapateando até. Foi bem legal, fiquei toda toda com essa atenção da parte dele.

E é assim que vou seguindo em frente. Muitos exames, muitas picadas nos braços, cabelinho bem curto desde já  - passei a perna na quimio (que começa na próxima semana), porque quem está no comando da porra dessa situação sou euzinha -  e recebendo um carinho imenso de gente que adoro. Tem como dar errado isso? Nananinanão!!! :-)











sábado, 14 de abril de 2012

Tem coisa boa no câncer? Tem.



Nem bem comecei minha epopéia cancerígena e já tô descobrindo que se pode tirar proveito dessa desgraça. O monstro não é tão feio quanto parece. Verdade, há coisas úteis, não é só sufoco não. Quer ver?


1. TRIAGEM DE AMIGOS

Sejamos bem realistas: o câncer possibilita uma prévia da reação das pessoas diante da sua morte. Todo mundo sempre tem uma curiosidade mórbida em torno disso, né? Quem já não parou pra pensar em quais seriam as pessoas das suas relações que chorariam no seu enterro? Pois então, taí. Fique com câncer e logo saberá disso. Tem gente que corre de você ao saber que está doente! Uma amiga me disse, com muita propriedade, que, em grande parte das vezes, isso acontece como forma de negação. Como se fechar os olhos para o perrengue alheio colocasse a pessoa fora do grupo de risco. Sinto muito informar, mas para ter câncer basta estar vivo.

O impacto inicial da notícia comove muita gente. Mas não demora nada e o povo vai desaparecendo. Gente doente é chata, né? Feia. Fedida. Gosmenta. Deus me livre, xô baixo astral! Só que quem diz xô sou eu, um xô bem gordo, de boca cheia. Agradeço imensamente pela oportunidade de ter ao meu lado só quem realmente me faz diferença. 


2. PLANEJAMENTO E ORGANIZAÇÃO

É só com a água batendo no pescoço que a gente se mexe de verdade e bota tudo em ordem. Bom, pelo menos eu sou assim. Aí, por causa do longo tratamento a que terei que me submeter, já estou tomando uma porção de providências: organizando bem minhas roupas (ácaro, depois, nem pensar!), separando documentos, livros que quero ler, comprando telas e materiais pra voltar a pintar quando estiver a fim, lã pra fazer um tricozinho básico (já avisei o japa, vai ter que usar TODOS os milhares de cachecóis que pretendo fazer), enfim, deixando tudo à mão pra facilitar minha vida depois. 

No quesito beleza, uma drag como eu não ficaria indiferente, é lógico. Antes mesmo de saber se meus cabelos cairão (cairão sim, que bosta!), já pesquisei tudo sobre perucas e próteses capilares, sendo que as próteses, no caso, exigem escolha rápida, já que levam um tempinho pra ficar prontas, porque são confeccionadas sob medida. Bem bacana esse recurso, sabe? A coisa (com aspecto muito natural) fica grudada na sua cabeça por até 20 dias. Feita com cabelo humano, dispõe de várias opções de tipos de cabelo, cores e cortes, não impede o crescimento normal do seu próprio cabelo e você pode fazer tudo numa boa (ir à piscina, saltar de paraquedas, colocar presilhas, fazer rabicós...). Beleza de tecnologia. 

Mesmo assim, no caso de não querer usar peruca, já separei alguns lenços lindos e vou comprar outros, isso também fica bem legal. E quem sabe não assumo minha carequinha numa nice? Por enquanto acho difícil, mas o tempo dirá. De qualquer forma, comemoro desde já por esvaziar um tantinho o bolso daquela cabeleireirafiadaputa que me enfia a faca. Toma, safada!

Ah, coisa importante: vou ao dentista previamente também. Checagem de rotina e uma boa limpeza evitarão gengivites e outros probleminhas eventuais, indesejáveis pra quem vai ficar com a imunidade no chão. 


3. AMPARO LEGAL

Nem todo mundo sabe, mas portadores de câncer gozam de direitos especiais (pelo menos isso, né?!). O SUS oferece todo o tratamento, inclusive remédios gratuitos e a cirurgia plástica reparadora, tudo previsto na legislação. Esse não será meu caso, porque além de pagar um excelente plano de saúde há trocentos anos (espero não ter problemas com isso), por intermédio do japa, que é médico, ainda consigo algumas outras facilidades. 

Além disso, há uma série de outros direitos garantidos por lei, confira aqui. Já fui atrás de um deles, a possibilidade de não precisar interromper meu curso de Direito. Farei acompanhamento domiciliar durante o período em que estiver em tratamento. Há, ainda, um montão de outras coisas que dá pra utilizar também, tipo: sacar FGTS e PIS-PASEP, andar gratuitamente nos transportes coletivos, ter prioridade no andamento de processos, isenção de impostos na compra de alguns produtos, enfim, uma porção de facilidades. Se todas funcionam na prática, não sei. Mas dá pra bater o pé bacaninha.


Bom, por enquanto é isso. Ah, me esqueci: dá pra se fazer de coitada  - e abusada -  também. Já avisei o japa: faz parte do meu tratamento um cruzeiro pelas ilhas gregas, compras semanais no shopping e otras cositas mas. Acha que vou ficar no preju? Nem f...errando!

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Que infortúnio!



Sexta-feira, 13. Ótimo dia pra receber o diagnóstico conclusivo: CARCINOMA DUCTAL INVASIVO DA MAMA.


É isso. E vamos em frente, que não há outro caminho a seguir.


Medo.


:-(

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O câncer de mama me achou... Olha que fdp!



Deus é malandrão. Me viu toda pimpona na casa nova, espalhada, curtindo adoidada e achou que devia mandar um novo desafio. Não aguenta me ver quieta, parece que gosta de mulé marrenta! Ficou lá, só bolando qual seria a armação da vez e mandou bala, agora calibre 50.

Há um tempinho atrás, notei que surgiu um carocinho na minha mama esquerda. Como havia feito mamografia e ultrassonagrafia de mamas muito recentemente, e foi detectada apenas uma pequena formação cística normal, não me preocupei tanto. Só que o diacho começou a crescer e, consequentemente, a doer, doer muito. Aí, lá fui eu repetir os exames, o que fiz há duas semanas.

Primeiras palavras do médico que fez a ultrassonagrafia: isso é urgente. Segundas palavras: isso é urgente, não pode esperar! Terceiras e últimas palavras: eu acho que isso é CÂNCER. Assim mesmo, a seco. Direto e reto, sem uma curvinha, sem um resfresquinho sequer. Médico chinês é fogo, putzquepiriu! Penso que se tivesse que me dar uma anestesia, seria com um taco de golfe na moleira.

Se eu disser que fiquei muito chocada logo de cara, estarei mentindo. Minha ficha simplesmente não caiu, tive a impressão de que ele falava de outra pessoa. Comecei a ter noção da gravidade da situação quando ele me pediu que esperasse o resultado do exame, normalmente entregue apenas três dias depois, mas liberou de imediato. Esperei aproximadamente uma hora, mas a sensação foi de que um século havia se passado. De minuto em minuto perguntava se não estava pronto: - Moça, mas não ficou pronto ainda? Por favor, eu preciso ir correndo pra casa, tenho que chorar! Essa espera solitária, no entanto, acabou me ajudando. Ali mesmo comecei a perceber que fosse o que fosse, chorando ou não, eu teria que lutar. Afinal, o treco não iria evaporar só porque a situação era dramática. Nem o mundo iria parar por causa disso. Todos continuariam a viver normalmente, apesar da minha dor (física e na alma).

Embora cruel, a situação exige praticidade, a gente corre contra o tempo. Tudo tem que ser rapidinho, pra ontem, então logo fui me consultar com uma mastologista. Antes de chegar lá, até que eu estava relativamente tranquila. Só que uma placa na fachada do lugar me desmontou: Centro de Oncologia. Caramba, aquilo parecia um pesadelo, não podia estar acontecendo comigo! Me senti mal, minha pressão baixou um pouco, me deu tremedeira. Mas a delicadeza da recepcionista simpática, bonita, que falava baixinho, foi me acalmando. A consulta, então, foi ótima, com excelentes perspectivas. Embora a mastologista também tenha sinalizado a quase total probalidade de realmente tratar-se de um câncer, fui salva pela minha extrema vaidade. Além de me informar que o tratamento, embora bastante invasivo, será bem sucedido, ainda vou ganhar recauchutagem geral. Um cirurgião plástico estará a postos para fazer a reparação imediata da mama afetada e, de quebra, vai melhorar a outra que está saudável também, pra que haja uma simetria perfeita. Sairei turbinada do centro cirúrgico, pode?! U-huuuuuu!

Sei que o caminho a ser percorrido vai ser difícil. Já tive uma amostra no último sábado, quando fiz uma biópsia, a tal da Core Biopsy, um procedimento que no meu caso foi bastante doloroso (por causa da infiltração do tumor nas costelas), mas que é fundamental para o diagnóstico final. Já fui informada também de todas as etapas do tratamento, sendo que antes mesmo da cirurgia, já vou encarar a primeira sessão de quimioterapia - isso possibilita uma redução do tumor e, consequentemente, reduz também da área a ser extraída cirurgicamente. Aí, já viu, né?! Tô tentando desencanar com o que tanto me aterroriza, a perda dos cabelos... Muito triste, mas faz parte.

Coisa estranha é a sensação de culpa que bate. De repente, me senti como se fosse uma desleixada. Caramba, com tanta campanha para prevenção do câncer de mama, como é que pude ficar assim, ainda mais dormindo com um ginecologista do meu lado? Aí parei pra refletir sobre isso. Na verdade, há um direcionamento errado nessa história. Não existe prevenção contra o câncer de mama, porque se ele tiver que aparecer, vem mesmo. Não interessa se você é pobre ou rica, bonita ou feia, gorda ou magra, uma pessoa "zen" ou não, vem e pronto. A prevenção é contra a morte por câncer de mama, isso sim. Aí é que as campanhas acertam em cheio, já que descobrir a encrenca logo no início faz toda a diferença, não apenas pela óbvia preservação da vida, como também na minimização do estrago.  

O que chega a ser engraçado no meio dessa confusão toda é ver a reação das pessoas quando ficam sabendo, geralmente sempre a mesma:

- Câncer? Ah, meu Deus! (choque) Mas hoje em dia... (pano quente)

- Cabelo cresce! (sei disso. Só que, vem cá um instantinho, fafavô... Que mulher quer ser careca?!)

- Tenha fé... A fé remove montanhas... Não cai uma folha de uma árvore sem que Deus permita... Mais vale um pássaro na mão que dois voando... (e por aí vai)

Tá certo, é mesmo difícil lidar com isso, o que dizer, né? Mas hoje, estando envolvida na situação, sei que muito mais importante do que dizer algo é fazer. Carinho e atenção são fundamentais. Saber que não será uma luta solitária, também. E nesse quesito estou muitíssimo bem servida. Conto com o apoio de pessoas muito queridas, que têm estado ao meu lado a todo instante, acompanhando cada passo dessa batalha, que está só começando. E o japa? Não há palavras que definam esse cara. Tem sido o mais dedicado dos companheiros, atento, carinhoso, disponível, me cercando de cuidados muito especiais por todos os lados.

Então é assim, vambora batalhar, né, fazer o quê?! Há ainda uma remotíssima (mas real) chance de não ser nada disso, vamos ver. Mas uma coisa eu garanto: saio dessa muito melhor do que estava antes. Sempre foi assim com todos os meus perrengues e agora não será diferente. É força na peruca... MESMO!