Um filme trash não é necessariamente ruim, apenas exige um estado de espírito que permita enxergar a obra com olhos sarcásticos o suficiente pra se deixar levar pela história.
Ontem assisti "Lenda Urbana", um suspense obviamente previsível e bastante reprisado, mas muito divertido sob o ponto de vista analítico. O final da história é estarrecedor. Não pelo fator surpresa, ao contrário. É que o óbvio chega a ser tão escancaradamente ululante, que me deixa boaquiaberta.
No exato instante em que a vilã (melhor "amiga" da mocinha, que não sabia da trairagem da outra, lógico) ía dar o golpe de misericórdia no casalzinho sobrevivente a uma série de assassinatos, a policial que tentou matá-la sem sucesso e levou uma azeitona na barriga por causa dessa incompetência, antes do provável último suspiro, manda um tiro que acerta no braço da malvada. Esta, por sua vez, mais malvada ainda depois de tomar o pipoco, parte furiosa pra cima do casalzinho, que inadvertidamente não aproveitou essa confusão pra evaporar dali. A mocinha, num ímpeto tardio de agilidade, se apodera da arma que estava no chão e manda um balaço no peito da malévola, que, com o impacto, é jogada janela abaixo e se estatela no chão. Mal sabia o casal apaixonado que a vilã era de borracha... Depois de um longo beijo (!!!), já dentro do carro e fazendo planos para o futuro, são atacados pela doida que estava no banco de trás (the big surprise!). E a mulher tava com tudo! Tiro no braço, rombo no peito, fraturas múltiplas pela queda, tudo bobagem. Finalmente, após a ação calculada com exatidão pelo mocinho em questão de segundos, a diabólica é arremessada pelo vidro do carro e vai direto pro rio, onde comprovadamente é dada como morta por estar boiando. E não é que no final, depois de passados alguns anos, a mesma maluca aparece de novo? E dá-lhe Lenda Urbana 2, 3, 4... 549.
Aí fiquei pensando que em Hollywood as regras foram feitas pra ser quebradas. Olha só:
. Quando um vilão aparece morto, NUNCA ESTÁ. Mas não se preocupe, porque o herói sempre verá quando ele está chegando - mesmo estando de costas. E ainda que não o veja, ao ser supreendido pela morte eminente, contará com o auxílio decisivo da mocinha ou do coadjuvante feio e bobão, que irão acabar com a raça do malvado;
. O telefone toca. O herói/mocinha atende. "Aló. Sim. Ok. Obrigado." (tempo total da conversa: 5 segundos; e sem tchau, porque nos filmes ninguém se despede nunca). Em seguida, o herói/mocinha se vira para o coadjuvante: "Era Backer. Ele disse que Kate foi para o escritório há mais ou menos uma hora. Ela já deveria estar lá agora. Ele ligou pra lá, mas ela não está. Ele também ligou para John e ele ainda não a viu. Você sabe como a Kate é difícil. Ele disse que se não conseguir encontrá-la, vai chamar a polícia. É melhor irmos pra lá, rápido!" (aliás, às avessas, isso me lembra do meu irmão... Depois de passar uma hora falando com alguém, quando a gente pergunta "E aí, o que ele disse?", o espírito de porco responde ultra-sinteticamente: "Ué, nada!". Ai, ai, ai, ai-ai!);
. O modo mais eficiente de salvar uma vítima de parada cardíaca (bem melhor que o uso de desfibrilador) é gritar coisas como "Você nunca desistiu de nada na sua vida, Carol! Agora lute, LUTE!" ou "Não faça isso comigo, Carol. Eu te amo, droga!" (quase sempre isso dá um excelente resultado, o SAMU deveria adotar essa medida prática e eficiente com urgência. Opa... Peralá! Só que tem um médico que não estará autorizado a usar a segunda alternativa do método "jamé", a patroa aqui não permite);
. Quando estrangeiros (especialmente latinos) aparecem nos filmes americanos, falam inglês perfeitamente, mas NUNCA aprendem a falar sir ou thank you... Dizem señor e gracias;
. Toda fechadura pode ser aberta por um cartão de crédito ou por um clipe de papel. E os cofres dos maiores bancos do mundo são vulneráveis a qualquer gatuno com estetoscópio;
. Uma pessoa atingida por um tiro morre sempre na hora. O corpo nunca sofre com músculos se contraindo involuntariamente, enquanto o cérebro sofre morte lenta por falta de oxigenação. Vê lá se o Keanu Reeves ou o Brad Pit vão passar por um perrengue desses! Os lindérrimos jamais vão aparecer de língua pra fora, babando e fazendo annnhajjajaaammmarr... rhhrhuurhhuuhhhmm... Não rola;
. Elevadores de filmes sempre estão prontinhos no térreo ou chegam no exato instante em que a conversa termina. A não ser quando alguém está sendo perseguido, aí o jeito é ir pelas escadas, em geral abertas, pra que o perseguidor tenha boa visão do perseguido (que de minuto em minuto sempre dá uma paradinha pra olhar pra trás);
. Toda mãe de filme prepara um gostoso café da manhã com ovos, bacon, torradas e tudo mais. A família, porém, sempre passa correndo pela mesa, com tempo apenas para tomar um gole de café ou suco (deve sobrar muita comida em Hollywood! Mas isso também acontece nas nossas novelas... Ainda bem que aqui a gente é pobre e tudo é cenográfico, daí não sobra nadinha. A mesma maçã que passou pela "Favorita", roda pelo "Porra... ui! Zorra Total" e cai nas mãos da "Turma do Didi");
. Garotos de 8 a 10 anos de idade são os melhores hackers do mundo... se usarem óculos;
. As garotas que nunca conseguem pares para o baile de formatura ficam sobrando por causa da feiura (feiura = óculos + cabelo preso). Revoltadas, resolvem ficar gatíssimas e passam por uma transformação radical no visual: começam a usar lentes de contato e soltam os cabelos. Finalmente maravilhosas, acabam sempre eleitas como rainhas do baile e nos braços do gostosão da história;
. Pra terminar, após uma perseguição a pé ou de carro, das lutas com os capangas, dos sucessivos salvamentos à mocinha à beira da morte, da demorada e desgastante batalha com o vilão, depois da explosão do QG do mal, com as roupas rotas e rasgadas, cheio de cortes e toda sorte de ferimentos pelo corpo, o herói, mesmo sapecado, sempre faz uma piadinha e diz pra mocinha: "Querida, você não vai à festa com essa roupa, vai?". Um sorriso Colgate, um longo beijo e the end. Ufa! Que ânimo invejável!
Definitivamente estou ficando velha, chata e realista demais.