quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Saindo do casulo


"No fundo, é isso, a solidão: envolvermo-nos no casulo da nossa alma, fazermo-nos crisálida e aguardarmos a metamorfose, porque ela acaba sempre por chegar."

(August Strindberg)





Ter que encarar um câncer não é refresco pra ninguém, claro. Desde a suspeita confirmada pelo triste diagnóstico até o final do tratamento rolam dúvidas imensas, medo e muitas - mas MUITAS mesmo - lágrimas. São meses em que a gente passa por um turbilhão de sensações, precisando aprender a conviver com mudanças drásticas no corpo e na vida. Foi aí que percebi que todo mundo que passa pela quimioterapia fica com mesma cara. Sem cabelos, sobrancelhas e cílios, peles pálidas, um tantinho inchados e com sorrisos resignados, homens e mulheres, jovens ou mais velhos, são absolutamente todos iguais. E não é que fiquei a cara do Gianecchini, quando o moço também enfrentou o perrengue?!

Nunca tinha me passado pela cabeça que justamente essa "igualdade" traria uma das experiências mais bonitas pelas quais já passei. Não falo da conquista pessoal de estar vencendo a doença e refazendo minha vida, fatos obviamente fundamentais pra mim e pra qualquer um que passa por tudo isso. O que me deixou muito encantada foi algo que aconteceu na última vez em que estive na clínica de oncologia, há uns dias atrás. Entrei cumprimentando a todos como sempre (e mais feliz do que nunca, porque já estava operada) e na sala de espera havia algumas pessoas que eu não conhecia, mas que retribuíram meu cumprimento com sorrisos largos. Uma das moças que aguardava veio me perguntar se minhas sessões de quimio tinham terminado, contando, animadíssima, que já estava finalizando seu tratamento. Só aí reparei que se tratava de uma das pacientes que passaram por sessões ao meu lado, durante meses. Era uma moça de olhos tristes, peruca descabelada, muito abatida. Caramba, agora está linda, com o olhar iluminado, se transformou em outra pessoa! Foi aí que me dei conta de que muitos dos que aguardavam ali naquele momento também estiveram comigo nas sessões e não os reconheci.

Me convenci, então, que "outra pessoa", na verdade, a gente se torna só enquanto está sendo tratado, sabe? Parece que entramos em casulos, escondendo nossas identidades temporariamente. Que coisa linda tem sido ver esses casulos se desfazendo e descobrir a individualidade de cada companheiro meu de sufoco! Assim como eu, todos, finalmente, começam a recuperar suas próprias fisionomias, a se reencontrar enquanto pessoas únicas que são. Logo me vem na cabeça: ahááá, então é assim que você é de verdade, né?! Legal demais ver todo mundo refeito, saudável de novo, inteiro e, acima de tudo, FELIZ!

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Minha cuidadora maluca



Por causa da cirurgia recente tenho que pegar leve e só poderei movimentar meu braço esquerdo normalmente em dezembro. Além disso, apesar de não sentir muita dor, minha mobilidade, de forma geral, ficou limitada e vou me recuperando aos pouquinhos. Assim, preciso de ajuda pra fazer uma porção de coisas, o tempo todo. E quem tá aqui como cuidadora da minha pobre pessoa? Minha mana Elaine, intimamente conhecida como Lola, aquela pra quem tudo no mundo deveria ser PIF-PAF. ⊙.⊙

Posso dizer que um doente tratado por Lola ri muito, o dia inteiro. Meus cortes latejam, de tanto que dou risada. Isso não acontece porque ela é altro astral e emana alegria pelos poros; o caso é que a mulé é atrapalhada e, acima de tudo, louca.

Logo que cheguei do hospital, por exemplo, não conseguia sequer tocar nos meus próprios pés. Então, antes mesmo de levantar da cama, lá vinha a Lola pra me calçar as meias elásticas. Com toda a delicadeza que lhe é peculiar, Lola tentava esticar as meias puxando minha pele junto e beliscando a pequena cicatriz de uma cirurgia que fiz há algum tempo atrás no pé direito. Que dor! A coisa não subia e a gente ria, ria, ria... E Lola não deixava por menos: "Firma essa porcaria de pé, senão te dou 'umas tapas'! Ai, tem gente que fala assim, 'uma tapa', né? Isso me dá um óóóódio!". Finalmente, depois de muito sufoco e risadas, as meias eram calçadas: do avesso e com o calcanhar torto.

Uma das coisas mais punks que a pobre Lola precisou fazer foi medir o conteúdo dos recipientes conectados aos dois drenos que precisei carregar por 12 dias. Era assim: duas mangueirinhas bem compridas saíam de dentro do meu corpo, com a finalidade de expelir líquidos que se acumulavam nos locais das incisões, para evitar edemas e infecções. Dá pra imaginar que a coisa era feia, né? E a medição tinha que ser feita duas vezes por dia. Lola tinha que esvaziar o líquido num copinho plástico e medir com uma seringa, anotando os resultados que seriam avaliados pelos médicos depois. Num determinado dia, os drenos estavam com o capeta e expeliram mais que sangue e gordura líquida. Uma badalhoca esquisitíssima saiu da seringa e ficou pendurada. Lola, a cuidadora cuidadosa, berrou: "Socoooooooooooorro, que noooooooooooooooooooojo! Sai daqui, sai daqui!!! Credo, tô tão revirada que tá até saindo lágrima do meu olho! Você tá podre! E ainda por cima, quando tiro a tampinha desse treco, faz 'puuuuf' e vem um ventinho dessa nojeira na minha cara... Nhaaaaca!". Uma fofa.

Até poucos dias atrás, Lola também me ajudava no banho e fazia meus curativos, uma trabalheira danada. Num determinado dia, depois de me deixar toda limpinha, perfumadinha e trocadinha, Lola se empolgou: "Pronto, tá toda bonitinha!", esticando as alças do meu sutiã e soltando num PLEC que me fez ver estrelas. "Ai, meu Deus, esqueci que você tá operada, desculpa... Hahahahahaha! Desculpa... Hahahahaha!", rindo, rindo, rindo até quase explodir.

A cada pequena complicação que surge em mim - uma coceira aqui, inflamaçãozinha ali, edemas etc - Lola solta o verbo: "Pô, Tio Chico (!!!!), mas você gosta de aparecer, hein? É câncer, inchaço no pé, cirurgia e agora isso também? Assim não dá!"

Hoje saiu um sol gostoso aqui. Lola foi logo avisando: "Hoje não quero ninguém me enchendo o saco. Vou ficar na piscina o dia todo. E quero drink com 'guarda-chuvinha', tá?". Bicho forgado! Mas até que ela merece. Já há duas semanas tá cuidando de mim, da minha casa, das minhas cachorras, de tudo! Além disso, justamente hoje ela tá ficando mais velhinha e me deixou muito feliz porque está aqui comigo num dia tão especial. 

Não tenho do que reclamar, muito pelo contrário. Além do japa, figurinha ímpar na minha vida, tenho uma mana que também é do balacobaco. 

BANZAI, BANZAI, BANZAI, DONA LOLA!!! \o/ \o/ \o/

Quase inteirinha de novo. Bem feliz!!!



Já faz um bom tempinho que não dou notícias por aqui, né? Isso tem uma razão: é que um montão de coisas aconteceram desde minha última postagem até agora.

Passei um sufoco no final da quimio por causa do inchaço nas pernas e nos pés. A possibilidade de uma trombose foi exaustivamente investigada, mas não se chegou a nenhuma conclusão. No auge do problema eu já não estava nem andando direito e meus pés estavam assim:



Com alguns remedinhos e cuidados especiais os pés melhoraram bastante e agora já estão quase normais de novo. Esse imprevisto fez com que as sessões de quimio fossem definitivamente interrompidas, já que o oncologista considerou que os quatro ciclos que faltavam (fiz 12!) poderiam me fazer mais mal do que bem. Afinal, o objetivo da quimioterapia já havia sido alcançado: meu nódulo - que no início tinha 3,5 cm - desapareceu totalmente à palpação.

O término antecipado da quimio adiantou uma etapa fundamental do meu tratamento e no último dia 2 já fui operada. Por causa do meu tipo de câncer (ductal invasivo de mama), fui pro centro cirúrgico consciente de que teria toda a mama esquerda extraída, perdendo o mamilo, inclusive. Também sabia que havia grande chance de ser necessário fazer o esvaziamento axilar, tirando todos os linfonodos, o que poderia comprometer bastante os movimentos do meu braço depois. Mas, ao acordar depois de uma cirurgia que durou 10 horas (2 horas para extração da mama + 8 horas para a reconstrução), tive uma surpresa maravilhosa: meu mamilo foi preservado e não houve esvaziamento axilar, já que a análise patológica, feita no ato da cirurgia, mostrou que não havia células cancerígenas nessas áreas.

Duas novidades tecnológicas bacanérrimas foram adotadas nesse procedimento cirúrgico:

1. Por causa do inchaço ainda persistente nos meus pés/pernas e diante do alto risco de trombose, antes de qualquer coisa me colocaram um aparelho chamado KENDALL SCD Express Tear-Away Sleeves, que promove uma compressão contínua nos membros inferiores e diminui o risco de trombose e embolia pulmonar. Fiquei engraçada, parecendo uma paquitona de botas brancas, mas foi uma delícia ser massageada por mais de 24 horas sem parar;

2. Na reconstrução da mama foi utilizada uma prótese moderníssima (a SPECTRA, importada pela Johnson & Jonhson), que pode aumentar de tamanho durante ou depois da cirurgia e foi destaque no 47º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica. 

Olha só como foi minha cirurgia:

Reconstrução Mamária com Músculo Grande Dorsal e Prótese

Este método de reconstrução mamária é utilizado principalmente em pacientes magras e que não ofereçam quantidade de tecido abdominal suficiente para uma reconstrução pelo retalho TRAM. Retalho é qualquer porção de tecidos (pele, músculo e gordura), que pode ser transferida de um local a outro do organismo para servir de reparo a algum defeito.

Nesta cirurgia, estaremos levando tecidos das “costas” (região dorsal) para a região mamária e acrescentando também uma prótese de silicone.

Para entendermos melhor, devemos dar uma olhada na anatomia da região dorsal. Abaixo da pele e da gordura, observamos os músculos da região (fig 1-A). Dentre eles, o músculo Grande Dorsal (GD) é o que será utilizado para a reconstrução, juntamente com pele e gordura que serão levadas presas a ele (fig 1-B).



O retalho do músculo GD é “fino”. Devido a isso, para que haja uma reconstrução adequada, temos que usar também uma prótese de silicone. A prótese é então colocada no local onde a mama foi retirada (fig 2).



A seguir, o retalho é passado para o tórax anterior recobrindo a prótese e fornecendo pele para repor a que foi retirada na mastectomia (fig 3).



Fecharemos então a área doadora atrás e finalizaremos o ajuste da prótese e do retalho na frente. O uso de drenos é necessário durante uns 7 dias (fig 4).



O retorno à movimentação normal do braço no lado operado se dá após 2 a 3 semanas. O pós-operatório não oferece maiores incômodos além do repouso do braço. Também não ocorrem déficits tardios para a sua movimentação. As dores são leves e tratadas com analgésicos e antiinflamatórios. 

A mama normal, caso não se alcance um resultado adequado de simetria nesta primeira cirurgia, passará por uma “plástica” para igualá-la com a mama reconstruída num 2º. tempo operatório. O mamilo e a aréola serão reconstruídos na seqüência (fig 5).



Fonte: MICALI

E cumé cotô agora? Me recuperando bem demais:

. O corte das costas (quase 30 cm!) cicatrizou já na primeira semana e praticamente não dói quase nada. Ainda tenho cuidados especiais com a mama, já que o retalho exige um tempinho maior pra ficar legal. Mas também está cicatrizando muito bem e a aparência vai ficando cada dia melhor. A prótese está se acomodando e já tem contornos bem bacanas!

. Cabelos, sobrancelhas, cílios e todos os pelos do meu corpo crescem descabeladamente, já tô virando uma monga! O legal é que quando as coisas voltam, vêm melhores do que eram antes. Minhas sobrancelhas, por exemplo, tinham muitas falhas e agora estão crescendo bem bonitas.

. Pra diminuir o inchaço generalizado no meu corpo por causa da quimio e da cirurgia comecei a fazer drenagem linfática semanalmente. A fisioterapeuta vem em casa, maior mordomia! Apesar de ainda não poder fazer exercícios físicos, meu corpo já está voltando totalmente ao normal. Ufa!

Agradeço imensamente pela competência da equipe médica (Dr. Daniel Cubero - oncologista, Dra. Alessandra Nabarro - mastologista, Dr. Regis Milani - cirurgião plástico, Dr. Paulo Afonso Guimarães - cirurgião plástico, além de outros especialistas que me acompanharam em diversas avaliações) e todo pessoal do CENTRO DE ONCOLOGIA DO ABC, onde tenho sido tratada com o máximo respeito, dedicação e delicadeza. 

Aproveito pra agradecer também pelo tantão de carinho que venho recebendo de amigos queridos e familiares, que me estimulam cada vez mais com visitas, telefonemas, mensagens e orações. Especialmente agradeço ao meu japa e minha irmã Elaine, que estão comigo em tempo integral, cuidando, mimando, vigiando...

Então, é isso. Ainda tem um tantinho de chão pela frente (faltam a radioterapia e mais uma cirurgia plástica pra reposicionamento do mamilo, além da colocação de prótese e simetrização da outra mama) e logo logo estarei novinha em folha. E vambora que isso tá ficando ótimo! :)