domingo, 17 de agosto de 2008

Santa hipocrisia!

A Revista Veja dessa semana mostra uma situação que me deixou perplexa diante da hipocrisia humana. A dupla feminina do vôlei de praia que representou a Geórgia nas olimpíadas é formada por duas brasileiras naturalizadas, Cristine Santanna e Andrezza Martins. Ambas têm a cidadania porque foram convidadas para jogar defendendo o país, onde jamais estiveram. Cristine diz que mora no Rio e treina em Fortaleza, mas sabe tudo sobre a Geórgia, porque toda hora tem alguém querendo pegá-la no pulo. Afirma que estuda bastante para poder se passar por cidadã do país. Todo mundo sabe disso, mas finge que não vê. É o fim da picada.

Hipocrisia é o ato de fingir ter crenças, virtudes e sentimentos que a pessoa na verdade não possui. Ao ler esse significado, hipocritamente alguém há de afirmar que jamais agiu dessa forma. Mas somos todos hipócritas, em maior ou menor grau, com mais ou com menos prazer.

Diariamente somos algozes e vítimas da hipocrisia. Quando se diz "Oi! Tudo bem?" não se espera uma resposta sincera. Aliás, a única resposta aceitável é "Tudo e com você?" e assunto encerrado. Experimente dizer que não está bem e o motivo disso. Será considerado mais chato que gilete caída em chão de banheiro.

Aproveito para falar também do mundo virtual, já que estamos aqui. É de conhecimento público que o Orkut é um site de relacionamentos que só permite a adesão e acesso de pessoas maiores de idade. É desnecessário dizer que milhares (milhões?) de crianças e adolescentes povoam esse universo numa boa, apoiados pelos familiares, inclusive. Todos acham muito bacana e saudável essa interação, fazendo de conta que o impedimento não existe e que não há o menor problema em se mentir a idade pra estar ali. Não concordo com a proibição, até porque ela só existe para redimir a administração do site de qualquer eventual responsabilidade. Estão pouco se lixando para a pedofilia e outros problemas que possam decorrer de participações inescrupulosas. E obviamente não seria esse impedimento que colocaria nossos jovens usuários à margem da zona de risco. Mas fico perplexa ao ver pessoas que se consideram um poço de virtudes fazendo vista grossa para a contravenção praticada por suas crianças. Meus sobrinhos também estão no Orkut e alguns deles não têm idade para isso. Mas eu juro que nunca me considerei um poço de virtudes, tá?

Outra questão bem polêmica é o tabagismo. Quem me conhece sabe que fumo, sou uma chaminé ambulante. Não acho isso bonito e nem recomendo que ninguém siga meu péssimo exemplo. O que acho incrível, no entanto, é que os sermões mais inflamados partem sempre de anti-tabagistas que sentem-se tremendamente prejudicados pela fumaça dos meus cigarros, mas convenientemente se esquecem que o monóxido de carbono emanado por seus automóveis - que nunca são dispensados, nem pra ir até a esquina - também prejudica meus pulmões. A própria campanha que o governo faz contra o tabagismo é hipócrita, na minha opinião. No mínimo ineficiente. Faça um teste e peça para um fumante dizer sem olhar no maço de cigarros dele qual é a foto chocante que o mesmo contém. Sem dúvida nenhuma ele dirá que não sabe. E não sabe, porque simplesmente ninguém olha isso. Um amigo até me alertou para o fato de que essas campanhas são direcionadas, na verdade, aos futuros fumantes em potencial e não àqueles que já estão viciados. Mas, pensando bem, discordo dele. Afinal, quem fuma eventualmente e ainda não se viciou nem compra cigarros. Fica só no "serra-serra". Aquele que tem a infelicidade de gastar dinheiro com isso, e portanto toma conhecimento da campanha, já é dependente.

E o que dizer da hipocrisia religiosa? Ao mesmo tempo que o catolicismo defende com unhas e dentes o celibato pastoral, gasta bilhões de dólares na indenização às vítimas de seus sacerdotes pedófilos. Enquanto o protestantismo eleva a moral religiosa e condena com extremo rigor os seguidores que a descumprem, criam também impérios capitalistas às custas da troca de "se receber bênçãos" pelo dinheiro suado de seus salários. Isso sem falar que conheço muita gente que vive com a bíblia embaixo do braço, faz questão de propagar mensagens divinas aos quatro ventos, mas, ao mesmo tempo, são mesquinhas, maledicentes, invejosas, egoístas e toda sorte de outros adjetivos negativos possíveis. E essas são as mesmas pessoas que atacam com veemência os que se dizem ateus, como se o simples fato de ter uma crença religiosa já as redimisse pela falta de caráter e desconsideração com o próximo.

Datas especiais, então, considero o cúmulo da hipocrisia. O mesmo homem que oferece um lindo buquê de rosas à esposa pelo Dia Internacional da Mulher (cobrindo-a de elogios por suas conquistas e competência) é quem vai afirmar, dali a poucos instantes, que qualquer barbeiragem no trânsito só podia mesmo acontecer por culpa de uma mulher. E automaticamente remete a mulher ao lugar onde acredita que ela deveria estar: "Ô Dona Maria, vai pilotar o fogão!". O homem que não se posiciona com sinceridade e desprendimento frente às questões importantes da feminilidade e da relação entre os sexos deveria ter ao menos a dignidade de não repetir o clichê "parabéns pelo seu dia!".

Natal, uma tristeza só. Beijos, abraços, votos "sinceros" de plenas realizações e paz. A resignação e extrema humildade de Jesus são comemoradas com vasta comilança, presentes que agradam por seus preços, fofocas sobre as aparências de determinadas pessoas... E no final do dia todos se despedem efusivamente, considerando que a partir daquele momento serão pessoas melhores, que cumpriram bem seus papéis de cristãos e retornam pra suas rotinas, tendo como primeiro pensamento um belo "Ufa! Ainda bem que acabou, stress como esse só daqui a um ano!".

Bem, há ainda inúmeras outras situações em que a dissimulação impera, mas para finalizar, cito a hipocrisia nacional de um povo que elege (por duas vezes!!!) para o cargo mais importante do país um sujeito que não tem escolaridade e preparo nem para ser gari, só porque tem uma história de vida sofrida. Um povo que fica indignado ao ver um deputado receber 20 mil reais por mês para trabalhar no máximo três dias na semana, mas que ao mesmo tempo sente inveja e sabe que lá no fundo, se estivesse no lugar dele, faria exatamente a mesma coisa.

Enfim, evitar a hipocrisia é algo impossível, isso é inerente à natureza humana. Mas acho que não custa nada a gente se policiar para agir com a máxima honestidade possível, dentro do que realmente considera legítimo, sem a preocupação de ser diplomático em tempo integral. Que fique bem clara, porém, a diferença entre não ser hipócrita e ser indiferente ou mal educado. Agir com autenticidade exige bom senso e delicadeza, é óbvio.

5 comentários:

  1. Tania, para variar vc disse tudo o que eu tbém penso. Quanta coisa acontece corriqueiramente e todo mundo sabe que é mentira, mas finge que é verdade só porque é politicamente correto. Não é fácil mudar esse comportamento, são coisas enraizadas nas pessoas. Bj!

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  3. Faz de conta que você não ouviu, que eu faço de conta que não falei.

    Faz de conta que você não viu nada, que eu faço de conta que nada aconteceu.

    Este é o pacto que domina a sociedade atualmente. A maneira de se relacionar é sempre conduzida pelo conveniente e antiético faz de conta.

    Conveniente para todo mundo, pois supõe-se que ninguém sai perdendo : quem cala não é punido (quase sempre é até mesmo recompensado) e quem faz não é incomodado. Com isso conquista a permissão e a liberdade de sempre fazer.

    Muitos que a princípio resistiam a participar deste pacto, com o tempo, após inúmeras situações que vivem e que presenciam onde prevalece este “faz de conta”, após serem constantemente criticados, acabam também se acostumando e desistem de resistir, pois cansam de ser prejudicados. Quase sem perceber, mesmo às custas de muito sofrimento, se sentem na obrigação de entrar para a corrente.

    Um grande abraço!

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  4. A sociedade é o próprio lixo desse processo de hipocrisia. É falsa e dissimulada, recrimina, condena, dita normas, éticas de conduta e comportamento, mas por baixo dos panos transgride com tudo que condena, comete os mesmo crimes em escala bem maior que o condenado. E hipocritamente todo mundo faz de conta que não vê. Infelizmente faz parte do jogo que é viver.

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  5. Concordo com tudo tia. Principalmente a parte que relata o nosso presidente, eleito duas vezes sem ter conhecimento suficiente para tal, tudo isso só porque ele sofreu na vida? Se pensarmos assim, boa parte da população deveria ser presidente (a), né! Afinal, muita gente já teve oum tem uma vida sofrida, a vida não é fácil mesmo! Ahh, adorei o texto tia.

    Beijão tia ;*

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