domingo, 4 de abril de 2010

Vamos falar da morte?

Tudo bem que estamos na Páscoa e a data pressupõe "vida", já que é celebrada a ressurreição de Cristo. Mas até pra entender o significado de ressurreição, é fundamental tentar lidar melhor com a morte, uma coisa que todo mundo prefere evitar a todo custo.

Tanto é assim que, compreensivelmente, meu post anterior não inspirou muitos comentários, embora tenham sido registradas várias visitas. Imagino que vá acontecer a mesma coisa com esta postagem, mas tudo bem. Paciência. É natural que as pessoas prefiram se envolver com coisas mais amenas e divertidas.

Os últimos dias têm sido difíceis pra mim, então por enquanto não consigo pensar em outras coisas. Nunca é fácil perder alguém de quem a gente gosta tanto. O vazio que fica depois do acontecimento demora a ser preenchido, a gente precisa ter paciência. É uma sensação bem ruim, que faz nossa vida parar por algum tempo também. Choca a constatação de como esse é um sofrimento solitário, porque não importa o tamanho da sua dor, o mundo vai continuar girando do mesmo jeitinho. Os carros passam como sempre, os supermercados continuam cheios, as pessoas riem e se divertem... A vida segue normalmente.

Isso me fez lembrar de um trecho do livro "Diário de um Cucaracha", onde Henfil citou a morte do cantor chileno Victor Jara, preso, barbaramente torturado e executado em 1973, por causa de um golpe de estado. Indignado com a execução do cantor, Henfil escreveu: "Sabe duma? Essa indiferença deixa a gente cético. Afinal, sentir as coisas sozinho tem valor? Me lembro do dia em que meu pai morreu. Quando saí na rua, todo machucado, que saudade!... fiquei chocado. As pessoas não percebiam a minha dor. E foi água na fervura. Engoli o choro e enquanto estive na rua era como se meu pai não tivesse morrido, o clima lá fora não era este. Talvez se eu passasse chorando, todos parassem. E será que, se eu sair aqui na rua 70 chorando, Nova Iorque vai saber que Victor Jara está morto?".

Talvez por teimar em ver a morte como um fato que não é natural, além de considerá-la sempre inesperada e injusta, a gente a transforme num evento exclusivo, pessoal, que isola quem sofre uma perda do resto do mundo. Só que não há nada menos exclusivo do que morrer, assim como também nada pode ser mais doído do que uma perda irreversível como essa.

Desde os tempos mais remotos, os homens já enxergavam a morte como um elemento antagônico à vida  - e não como parte integrante e inseparável dela. Pinturas encontradas nas paredes de cavernas como Lascaux e Chauvert, na França, revelam o incômodo que a morte provocava no homem de 30 mil anos atrás. Episódios alegres, como caçadas, por exemplo, eram retratados com cores alegres, usando óxido de ferro (alaranjado) ou calcário amarelo. As imagens fúnebres, por sua vez, eram pintadas com as cores escuras do carvão.

As reflexões finais do filósofo grego Sócrates (condenado a tomar cicuta, um veneno letal), realizadas no século V a.C., representam um excelente exercício de aceitação."Porque morrer é uma ou outra dessas duas coisas. Ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja. Ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar para outro", afirmou ele. Sócrates tinha razão. Pra quem não acredita na continuação da vida, a morte é simplesmente o nada, portanto, a ausência completa de angústia e desespero, é o fim das aflições. E pra quem acredita na continuidade da vida, a morte é apenas a passagem desta existência pra outra melhor.

Mas, seja como for, o jeito é aprender a conviver com a malvada. Melhor não pensar nela como uma coisa medonha, tipo aquele esqueleto coberto com uma capa preta, carregando uma foice afiada na mão. Que tal passar a imaginá-la como o fim de uma festa superlegal? Você sabe que toda festa tem começo, meio e fim. E, por mais que a festa esteja ótima, o melhor é que ela acabe mesmo. Afinal, você aguentaria dançar pra sempre? Por melhor que seja a música, chega a hora em que seu corpo e sua mente pedem descanso. E aí, talvez, seja o momento de sair da pista serenamente, sem traumas, sabendo que estará dando lugar a quem chega cheio de gás.

E é assim que fico por aqui... Lembrando do meu amigo tão querido como um cara que arrasou na pista, que se esbaldou até não poder mais na balada e que agora precisa descansar. Embora ainda machucada, fico na certeza de que eu soube aproveitar cada segundo da sua companhia, absorvendo intensamente tudo de bom que ele me proporcionou e lhe oferecendo também o melhor de mim. Não há pendências, nem arrependimentos. Sei que estamos ambos em paz. Eis aí a enorme importância da reciprocidade, que uns e outros insistem tanto em desprezar. Deixar pra depois o que deve ser feito agora pode se transformar num caminho sem volta. A morte só se torna insuportável  - e insuperável -  pra quem não se entende com a própria consciência.

17 comentários:

  1. Com certeza a dor da perda é a maior de todas ... mas ela é apenas mais uma das facetas desta trajetória única chamada VIDA. A MORTE não se constitui na negação da vida, mas sim, uma das etapas dela. Vejo a MORTE como o PARTO. O PARTO nos desabrocha para este nível de existência que hoje temos consciência, mas também foi algo traumático para nós. Deixamos o aconchego de um mundo conhecido para nos deparar com outro até então totalmente desconhecido. Na MORTE, um novo PARTO se materializa com iguais características. Apesar de tudo isto e, em sendo a única certeza que temos desde o instante inicial de nossa existência, nunca nos acostumaremos com a possibilidade concreta de que ela se aproxime de nós a qualquer instante. São os paradoxos inerentes a este dom maior que nos foi concedido ... a VIDA.

    Feliz Páscoa para vc Tânia e para todos os que te são caros ....

    bjux

    ;-)

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  2. Tânia, ano passado também perdi um leitor querido de Goiânia-GO, até escrevi um poema a pedido da noiva dele. Já este ano escrevi por duas ou três vezes textos sobre a morte a respeito da minha tia. O último texto foi titulado "a morte não elimina a saudade". Por mais que tentamos ser fortes, enfrentar como algo natural da vida... Abaixo o texto escrito em 20/02/10:

    Desde mais nova sempre tive receio do que poderia vir acontecer quando fosse adulta. Digo, tive muito medo da morte e quais seriam as consequências. A morte nos leva embora, mas deixa rastro de destruição por um longo tempo para quem fica. Hoje, não tenho mais pesadelos horríveis sobre esta questão, porém, a morte já me assombrou muitas vezes.

    Também nunca escondi o meu desejo de ter uma morte tranquila – como aconteceu com o meu avô e a minha tia. Ninguém merece ficar sofrendo com dores ou por doenças antes de partir. Se tiver que passar por algum sofrimento que seja em plena vida saudável. Sei perfeitamente que as escrituras sagradas mencionam tal pensamento: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”. Espero que o meu tempo não seja longo demais e tampouco que seja curto, mas que haja tempo suficiente para aproveitar bem a vida.

    Há muitas perguntas no espaço: O que é a vida? O que é a morte? O que podemos fazer para evitar a perda? Como suportar a saudade que fica? Como esquecer quem nos deixou? Uma verdade tem que ser dita, a morte não elimina a saudade. O tempo se encarrega de dar suporte para quem ficou. No entanto, por mais que se tenta levar a vida de forma normal, nada pode preencher o vazio que fica.

    O tempo passa e nada foi possível de evitar a perda. A morte me parece ser uma viagem pelos mundos, como se nossas almas pudessem voltar a viver em outro (novo) corpo. Bom seria! Contudo, resta a saudade que jamais será esquecida... A vida é esta mesma, é preciso saber vivê-la, aproveitar o máximo cada momento.

    Um abraço solidário, desejando uma feliz páscoa!

    Graciele.

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  3. A escatologia é um tema ao mesmo tempo fascinante e aterrador. Por medo da morte, muito do que entendemos por religião se fez e aconteceu. A vida eterna é o sonho de muita gente, seja ressuscitando ou incorporando.
    Eu, particularmente, prefiro ser um observador do assunto. Me interesso muito e tudo, mas preifro não alimentar esperanças ou dedicar minha vida por uma coisa que nem sei se vai acontecer.

    Seu post, como sempre, está maravilhoso. FOra dos padrões dos blogs, so achamos seu texto longo se não lermos, ao ler, parece que passou rapidinho.

    Um grande beijo e Feliz Páscoa!

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  4. Dá pano prá manga esse negócio de morte (estou me aproximando dela à medida que cada vez mais falo como minha mãe. Que catzo é 'dá pano prá manga'?)Bom, tem algumas culturas que lidam bem diferente da gente com o Anjo da Morte. Nem conheço tão bem e nem entendo. Sei que temos 2010 anos de cristianismo nas costas e não será de uma hora para outra que mudaremos nosso 'sentir' a morte. É bem estranho pensar nas festas mexicanas, parecendo um carnaval, mas cujo tema é a N. Sra da Buena Muerte. Mistura alegria e dor. E olha que eles são bem dramáticos. Vide as novelas. No oriente, não só Japão, também tem umas coisas diferentes. Você foi bem precisa, ainda mais citando o nosso querido Henriquinho. Como o mundo continua igual se o meu mundo interior ruiu?

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  5. Um otimo dia de pascoa pra ti e toda sua familia minha amiga...beijos.

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  6. ahh...confesso eu tenho medo dela....
    eu luta contra ela a tres anos....
    mais ai um dia a gnt cansa e quase se entrega ai lembra..poxa a vida e tõa boa não quero deixa-la....
    mais ai se lembra da Mãe.... da ma~e que cuida que consola....


    poxa gostei daqui vai lá np meu blog tb...srsrs um xero flor!

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  7. Tânia, muitas pessoas correm deste assunto, essa palavra "Morte" pra muitos é bater 3 vezes na madeira. Eu penso o contrário. Tenho meu coração lotado de cicatrizes, em perder pessoas que tanto amei. Só Deus sabe. E a dor dilacera, maltrata, mas a gente não morre dessa dor. Entendi que a vida é assim. Estamos aqui de passagem. Como canta lindamente Simone, o mesmo trem que chega é o mesmo trem da partida. Eu encaro assim, até pela minha doutrina e filosofia espirita. Eu acredito que existe uma vida muitoooooo mais bonita do lado de lá, e que espiritualmente a gente nunca sai de perto das pessoas que amamos.Ahh, e o que me reconforta: Eu acredito que um dia a gente vai se encontrar. FATO!!
    Super abraço e uma semana bem bonita pela frente!!

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  8. Um beijo carinhoso pra desejar uma bela semana pra ti.

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  9. Pe ser....
    Mas não se entender com a consciência não libera a dor, apesar de morte/vida serem irmãs siamesas.
    Bjs.

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  10. oi tânia, seu texto sobre a morte é muito bom. perdi meu pai há dois anos e meio, confesso que não é fácil lidar com a perda mesmo depois de algum tempo, mas o essencial é a memória afetiva dos momentos bons, grande abç!

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  11. Eu depois de perder pai e mãe, inclusive tendo a experiencia de estar sempre presente por que eles morreram em meus braços, fiquei mais resistente a ela, a "morte", e hoje tenho uma consciência desta passagem, de estagio a outro.
    Esparo que tenha tido uma passagem dos dias santo, aleluia e páscoa bons e felizes.
    Bjos e abraços.

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  12. Obrigado pela visita,
    e a propósito, Adorei o layout, as fotos, os textos e, principalmente a proposta do blog!

    Muitos beijos, já estou seguindo! ^^

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  13. Oi amada,
    Vim retribuir tua visita e com certeza te seguir. Denso e fortemente escrito teu blog, assim como tuas emoções. Sinto por tua perda porque sei que perder um amigo dói demais. Mas ele teve você por perto e isto deve tê-lo feito feliz.
    Bju n'alma.
    PS: já votou? Se não, vote lá...todos são ótimos.

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  14. Oi turma!

    PAULO: numa visão espiritualista, acho que é bem do jeitinho que você falou mesmo. A morte acaba se tornando tão traumática quanto o nascimento. Nos acostumamos a estar na zona de conforto, ninguém gosta de caminhar pro desconhecido. Daí a nossa perplexidade diante das mudanças que a morte de um ente querido causa. Nós, que ficamos, também somos obrigados a mudar. Precisamos remodelar a vida a partir de uma ausência. É fogo.

    GRACIELE: lindo o seu texto. Um bom exemplo de que o assunto não necessariamente exige uma abordagem tétrica.

    ERALDO: normalmente eu também prefiro ficar só como espectadora (e quem não prefere?). Mas, mesmo olhando de ladinho, uma coisa é certa, meu caro: que vai acontecer, VAI. Obrigada pela opinião sobre meu texto (hum... você já é suspeito pra falar, de tão atencioso). E aproveito pra, mais uma vez, repensar no tamanho... Por mais que seja bacaninha, texto muito longo ninguém merece! É um defeito que ainda não consegui corrigir.

    ROSE: pois é, há várias maneiras de lidar com a famigerada... Pra algumas culturas significa renascimento até. O problema é que na nossa cultura a morte é sempre uma tristeza danada. Ah, o Henriquinho era genial, né? O texto dele continua atualíssimo.

    EVERSON: é sempre uma alegria te ver por aqui. Ainda mais me dando essa força. Valeu!

    SRTA. ELIS: que tal fazer do jeitinho que o Eraldo falou? Vamos deixar pra pensar na danada num outro dia. O importante é o presente. Então, faça com que ele seja maravilhoso. Você pode. Todos nós podemos!

    SIL: é verdade, conviver com muitas perdas maltrata demais a gente. Também já passei por isso muitas vezes e, como você tão bem colocou, só Deus sabe como a gente sobrevive a isso. Mas é isso aí. SEMPRE sobrevivemos. E assim como você, também me conforta a ideia de que um dia a gente se encontra de novo do lado de lá. Acredito muito nisso.

    GUARÁ: tem razão, a dor da perda tem o mesmo tamanho, seja pra quem está de bem com a própria consciência ou não. Mas, com o tempo, quando a gente sabe que fez direitinho nossa parte, a dor vai dando lugar a uma saudade gostosa e o sofrimento vai sendo atenuado. É legal guardar só boas lembranças dentro da gente, né?

    PAULO: sei bem como você se sente. Também já perdi meu pai e minha mãe e não foi nada fácil superar, precisei de alguns anos pra isso. Mas o tempo ajuda, pode crer. Essa angústia um dia vai embora de vez.

    LUCIDREIRA: caraca, barra pesada ter alguém morrendo em seus braços! Mas é assim mesmo, experiências dolorosas acabam nos fortalecendo bastante.

    EFS: valeu, sempre fico feliz com esse incentivo. E seu blog também é ótimo. Não apenas sigo, como recomendo.

    LÍDIA: é isso mesmo, tanto estive bem próxima dele, como ele de mim. Essas coisas legais que deixamos pra alguém e que deixam pra gente é que valem a pena, né? Nada mais de tristeza. Ah, já já dou um pulinho lá pra votar. Deixa comigo!

    BEIJOCAS PRA TODOS!

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  15. Olá Tania
    Falar de morte é sempre muito complicado. Embora seja essa a unica certeza que temos, achamos que vamos ficar para sempre. A morte não me apavora acredito que exista uma outra dimensão em que nosso espírito vai se habitar após ter desencarnado. Na terra estamos só de passagem para aprimorarmos o nosso espírito, pena que muitos não aproveitam essa grande oportunidade que temos.
    Beijos

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  16. Oi Tânia !! retribuindo sua visita !!! que bom que vc gostou do meu blog ... o fiz com carinho !!! esses dias estava procurando algo interessante pra ver quando me deparei com seu blog !!! menina da onde vc tira esse bom humor ??? achei um maximo o que vc escreveu sobre o "homi" !!!
    Fantástico !!! parabéns !!!
    Ahh volte sempre que quiser !!! bjUs San

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  17. Não gosto da morte, mas não a veja com maus olhos... É parte do ciclo, seja este qual for...

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