terça-feira, 4 de maio de 2010

Mãe é ternura... E também pode ser um eterno pesadelo.

Vem aí o Dia das Mães. Que beleza! Almoços especiais  - em geral com as próprias cozinhando - reunindo a família toda, muitas flores, presentes... Comemoração pra todo lado, afinal, ainda que não se tenha a própria mãe, inevitavelmente sempre haverá uma por perto, seja sogra, tia, vizinha, colega de trabalho, enfim, elas estão em toda parte. O comércio também vibra e agradece, afinal, trata-se do segundo dia de maior importância comercial no calendário das festividades.

Tanto estardalhaço não é pra menos. Como diz a batidíssima citação, mãe é uma só, portanto, é fundamental paparicá-la até não poder mais, especialmente no seu dia. É claro que ela merece! Oras, por acaso acha que é moleza carregar um fulaninho no bucho durante nove meses? Sofrer com enjôos, passar por uma intervenção cirúrgica na hora do parto, iniciar a saga de milhares de noites sem dormir... Limpar xixi e cocô, levar vomitadinhas na cara, ensinar o danadinho a andar, falar, fazer gracinhas... Acompanhar o sujeitinho a todo momento, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, deixando-o prontinho para o mundo... Dar de si tudo, tudinho mesmo, sempre com o objetivo de ver sua criação bem formada e completa. Mãe é mesmo singular. Não há no mundo quem tenha relação mais estreita com uma pessoa que sua própria mãe.

Eis aí o grande drama. Se a mãe tem tamanha importância para o bem, igualmente tem uma participação decisiva no que é ruim. Muito longe de serem perfeitas, conforme se idealiza, como seres humanos as mães também erram. Bastante e, às vezes, gravemente. Numa antiga postagem  - Carinho dispensa palavras -  falei um pouco sobre a ausência de carinho, quando afirmei que jamais recebi um beijo ou um abraço da minha mãe, falta que ela tentava compensar preparando comidas gostosas ou se privando de coisas importantes em meu benefício.

Nem sempre, porém, o problema limita-se ao esforço de relacionar alguns gestos com o afeto que não chega na forma usual. É complicado se dar conta do estrago emocional causado pelo sentimento básico de posse que muitas mães nutrem por seus filhos. Donas da situação, há mães que se ligam aos filhos através de um fio duplo: de um lado estabelecem a sujeição psicológica - por meio da intransigência e do excesso de autoritarismo-  e, de outro, promovem a total dependência. Não é fácil crescer numa casa onde você convive em tempo integral com uma mãe tirana e, por vezes, bem violenta.

E o que acontece com uma criança que passa por isso? Ela simplesmente não tem espaço, menos ainda escolha. Sobrevive e cresce vinculada a esse descuido emocional, que se refletirá ao longo de toda sua vida, caso não queira encarar (e procurar solucionar) o problema de vez. Aliás, nem sei se esse é um problema que pode ser superado definitivamente, sabe? Acredito, sim, que através de tratamentos adequados a gente possa amenizar os efeitos da tirania materna, mas fazer com que eles desapareçam completamente, acho impossível. Esse é um incômodo que vai ficando cada vez mais distante à medida em que a gente se desenvolve, mas inevitavelmente reaparece a cada frustração.

Depois de conviver uma boa parte da vida com a desvalorização vinda justamente de quem a gente espera apoio, não é fácil reunir os recursos necessários pra manter uma auto-estima inabalável. Daí é que se originam as grandes dificuldades em lidar com rejeições e até consigo mesmo, entre tantas outras consequências  - patológicas, inclusive.

É sobre essa inimaginável crueldade materna que fala o livro Feia, de Constance Briscoe, uma juíza inglesa de 52 anos, vítima de sérios abusos emocionais sofridos na infância. Passando fome, apanhando e ouvindo que era um "horrível desperdício de espaço", Constance relata sua atordoante história e conta como venceu esse sufoco. Após o lançamento do livro, a mãe da escritora a processou por causa da obra (que amoreco!). Perdeu.

"Terrível, mas também impressionante. Esperemos que a história de Constance inspire os jovens de todos os lugares não apenas a se agarrarem aos seus sonhos e torná-los reais, mas também a serem, eles próprios, melhores pais", diz a escritora inglesa Lesley Pearse sobre o livro "Feia".

Isso é o que desejo a todas as mães no próximo domingo. Além das felicitações, que como mãe sei o quanto são merecidas, que façam o possível pra dar de verdade o melhor de si a seus filhos. Não precisa ser a comida mais saborosa, nem a casa mais espetacular do mundo ou as melhores roupas e escolas do planeta... Basta que sejam simplesmente humanas e que aprendam a demonstrar isso. Que errem sim, mas que também entendam que podem (e devem) pedir perdão. Que ensinem, mas também se abram pro tantão de coisas que podem aprender com seus filhos. Criar e deixar para o mundo um ser realmente humano e bem resolvido é a única maneira de retribuir à altura a dádiva divina (além de assumir a enorme responsabilidade) de ser mãe.

19 comentários:

  1. Pois é Tânia, mas nem sempre é tão simples assim, isso acaba virando uma corrente sem fim, porque as pessoas só são capazes de dar aquilo que receberam. Existem muitas mães nem um pouco carinhosa com seu filhos, mas quando a gente vai ver a estória dela, ela também não recebeu carinho quando criança.Existem aquelas que nunca poderiam ser mãe mas não sabiam disso. Difícil né?
    Vamos fazer o seguinte: cada filho sabe a mãe que tem e dê a ela o presente que ela merece rsrsrs
    Beijos

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  2. Eba, Wanderley! Te peguei on-line!

    Então, também acho que por trás do descuido emocional por parte da mãe sempre há uma história triste, da qual ela também foi vítima. Como você, também penso que ninguém age de maneira negligente ou cruel conscientemente, por opção.

    Mas um dia esse processo precisa ser interrompido por alguém, né? É por isso que eu acho que junto com o presentinho no próximo domingo, algumas mães bem que merecem uma chacoalhadinha também.

    Beijoca, querido! Valeu!

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  3. Só digo o seguinte: ÔÔÔ, MA NEM!!!

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  4. ... é que no proximo domingo, assim como na maioria, ou diria, em toda "data comemorativa", temos de vestir fantasias e interpretar um dia feliz para uma pessoa perfeita. E é bom lembrar: mães também são imperfeitas!

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  5. É isso ai querida, eu não conheci minha mãe,mas sou mãe de filhos maravilhosos e posso dizer, sou feliz e tenho uma família. Eles são tudo para mim.

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  6. Elaine...

    kkkkkkkkkkkkkk!!!! Ma nem meeeesmo, né?

    Bem, pra quem não sabe, a Elaine é minha irmã. Sendo assim, essa pequena manisfestação da parte dela já diz tudo. Afinal, somos filhas da mesma mãe, né?

    Oh, dia! Oh, azar!

    kkkkkkkkkkkk!!!

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  7. Richard,

    Pois é... Como sempre, lá vamos nós pra boa e velha hipocrisia de sempre. Que mania o povo tem de idolatrar as mães como se fossem um ícone de perfeição, né?

    Só quem carrega consigo as marcas de situações extremamente mal resolvidas é que sabe o quanto as mães são capazes de errar como todo mundo.

    Obrigada por estar aqui, viu? Beijoca pra você!

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  8. Iracema,

    Que coincidência legal, acabo de visitar seu blog, acredita?

    Achei bem bacana saber da sua origem indígena e fiquei aqui só imaginando quanta história boa você tem pra contar. Seu blog é ótimo, voltarei lá com bastante calma pra poder ver mais e comentar também.

    Quanto ao fato de você não ter conhecido sua mãe, acho triste. Mas, ao mesmo tempo, penso que te deixou livre pra exercer seu papel de mãe com bastante tranquilidade, sem a repetição de certos erros que a gente costuma cometer mesmo não percebendo, por causa da convivência.

    Feliz Dia das Mães pra você, viu?

    Um montão de beijocas!

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  9. Pois é. Não sou mãe mas vou falar. Um dia lá na ioga, depois da aula, na hora do chá, tinha um bando de mães, a professora inclusive, num mimimi tão bobo de ser mãe é isso, ser mãe é aquilo, filho isso, filho aquilo...blá blá blá. Devido ao meu "defeito" de não ter parido, observei c/ olhos de filha, tentando ver a minha mãe naquele mar de clichês. E tive uma visão! Elas esqueceram que foram FILHAS!!! Do que gostavam, do que odiavam. Do que FUNCIONAVA pra que elas se sentissem amadas, do que NUNCA funcionava...Enfim, falei : "Vocês perderam a memória junto com a placenta, não é possível!!!"
    Claro que quiseram comer meu fígado, mas antes de usarem o argumento covarde de "vc fala assim pque não é mãe", já tasquei logo: Não sou mãe mas sou filha e vocês também.!!! Daí que não tem a ver com história triste ou grau de instrução e sim com a memória grudada na placenta que vai embora no parto. Portanto, Tania Meneghelli, parabéns por ter resgatado essa memória valiosíssima que faz de você uma ótima mãe, perfeita jamais! Seu rebento pode ter muitos defeitos mas é do bem e a culpa é sua. Atenção filhos! Lembrem suas mães que foram filhas.

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  10. Perfeita a sua contextualização Tânia ... vc toca no ponto crucial da verdade, quase sempre escondida e não assumida por mães e por filhos ...

    Poucas são as pessoas que estão preparadas para serem mães e pais ... daí a reprodução deste ciclo vicioso ...

    Com todo o respeito que todas elas são merecedoras, não há como esconder esta verdade ... são humanas tb ... cheias de virtudes, mas de defeitos tb ...

    Gostei da dica do livro e vou procurar lê-lo ...

    Adorei o seu arremate:

    "Isso é o que desejo a todas as mães no próximo domingo. Além das felicitações, que como mãe sei o quanto são merecidas, que façam o possível pra dar de verdade o melhor de si a seus filhos. Não precisa ser a comida mais saborosa, nem a casa mais espetacular do mundo ou as melhores roupas e escolas do planeta... Basta que sejam simplesmente humanas e que aprendam a demonstrar isso. Que errem sim, mas que também entendam que podem (e devem) pedir perdão. Que ensinem, mas também se abram pro tantão de coisas que podem aprender com seus filhos. Criar e deixar para o mundo um ser realmente humano e bem resolvido é a única maneira de retribuir à altura a dádiva divina (além de assumir a enorme responsabilidade) de ser mãe."

    Bjux querida

    ;-)

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  11. Oi Tânia,

    Mãe...ai, ai!
    Tenho uma filha de 14 anos e cuido da minha mãe que tem 64, com o tempo acostumei com essa situação, três gerações buscando conviver em harmonia, e o melhor é que conseguimos. Minha mãe não interfere na educação que dou à Lua e as nossas "nóias" de mãe e filha foram resolvidas faz um tempo, estamos na fase de curtir as nossas conversas e rirmos muito de tudo. Penso que desde que ela adoeceu nos aproximamos ainda mais, e isso abriu espaço para as confidências, o que foi essencial para que eu retirasse minha mãe do "pedestal" e ficássemos de igual para igual, simplesmente mulheres. Dessa forma minha relação com Lua melhorou muito, aprendi a ser mais próxima da minha filha, e o melhor, com ela ainda bem jovem. Por isso para mim, todos os dias são dias de filhas, mães, pais... sem apelações e dramas.
    Ui! acho que vc deu corda e eu falei demais!

    Beijos :]

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  12. Nossa... gostei muito do texto Tânia! Um texto sobre as mães, sem abordar o clichezão "Mãe te amo" que vai inundar a blogosfera daqui a uns dias ahauahauhau.

    É bem verdade que muitas vezes atitudes exageradas ou falta de atitude por fala das mães podem gerar alguma crise psicológica na pessoa. Conheço uma pá de pessoas que se enquadram tanto no caso das mães possessivas, quando das mães ausentes, e o estrago é bem significativo. Mas o grande problema é encontrar a medida certa. Dar o tanto de liberdade ideal, mas sem soltar o candango de vez até que seja a hora. Mamis sempre diz filhos deveriam vir com manuais de instrução XD.

    Beijos Tânia!

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  13. A maternidade é fácil de ser explicada pela ciência, mas é o maior mistério de se viver.

    Um grande abraço. Boa noite.

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  14. Hoje não me fez rir com o seu texto; achei-o divino e diz tudo o que é necessário para se ser uma boa mãe; concordo plenamente! Estou cansada de ver criancas com celulares de última geração, roupas de marca, vivendo em mansões e transportadas em carrões; no entanto o olhar delas é triste e denota que lhes falta o essencial: um pouco de atenção e de carinho dos pais; tenho a certeza que trocavam isso tudo por um joguinho de bola no jardim com o pai ou por um beijinho de boa noite e uma pequena conversinha com a mãe antes de dormir; não é preciso muito tempo...a criança exige pouco. Por outro lado vejo crianças pobres, sem nada dessas coisas a que aludi, mas que apresentam um olhar brilhante e umas gargalhadas que dá gosto ouvir; essas têm o que mais lhes interessa, o carinho e a atenção dos pais. Parabéns pelo texto e também por seres Mãe. Aqui festejou-se no 1º Domingo de Maio. Que tenhas um dia cheio de carinho e atenção do teu André; será de certeza o melhor presente que te pode dar.. Até breve, amiga e um beijinho muito especial.
    Emília

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  15. Me deu vontade de mostar o teu texto pra mamãe rsrs

    Mas como hoje é Dia das mães (e ela dá importância pra essa data) vou deixar pra outro dia e dar a ela outras coisas que ela merece

    Bjs de quem adorou o texto!

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  16. Olá Tânia

    Estamos apresentando uma Mostra Especial de Poeminis – “Encontros e Desencontros” a partir de imagens dos trabalhos da artista plástica Betty Martins.

    Convidamos você, especialmente, para que conheça nossa obra no blog: http://poeminiseimagens.blogspot.com

    Sua presença será uma honra para nós!



    Beatriz Prestes e Renato Baptista

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  17. ROSE: Caramba, que belo comentário! Um ótimo complemento pro texto, afinal disse o que eu também penso, mas acabei não citando. É isso mesmo, quando se transformam em pais, geralmente as pessoas se esquecem de que também foram filhos. Aliás, em alguns casos, a repressão é até uma forma de vingança. Digo isso baseada no comportamento da minha mãe, que quando jovem não tinha autorização dos pais pra se divertir. Se tornou uma adulta ressentida e gostava de melar meus programas com a seguinte afirmação: "Eu também não podia sair e não morri por causa disso". De fato as relações entre pais e filhos se tornam muito mais produtivas quando ambas as partes conseguem se colocar no lugar do outro.

    PAULO: É verdade, também sou de opinião que há muita gente por aí que deveria ser esterelizada até. A velha mania de idolatrar as mães esconde problemas sérios, que se perpetuam por gerações.

    PATI: Eis aí um ponto importantíssimo que temos em comum. Também tive a oportunidade de resolver uma série de pendengas com minha mãe quando ela adoeceu. Não fizemos isso diretamente, até porque o estado dela era grave e nem permitia grandes conjecturas, mas nossa aproximação, no final, foi fantástica. Lamentei demais que isso tenha acontecido apenas no final da vida dela. No entanto, pra mim tornou-se um tremendo alívio saber que antes de partir ela possibilitou que fôssemos, finalmente, mais amigas. Que bom que no seu caso você esteja aproveitando isso até agora. Ah, e não se preocupe com o tamanho do comentário, viu? Escreva, escreva e escreva... Eu adoro!

    LOBO: Sua mamis tem toda razão, os filhos deveriam vir acompanhados de um manual de instrução mesmo. Mas ouso dizer que algumas mães deveriam viver grudadas num psiquiatra, sabe? A sanidade dos filhos agradece. kkkkkkk!!!

    AMAPOLA: Pois é, a ciência nem sempre explica tudo não. Acho que a maternidade é algo indecifrável até. Quando eu estava grávida, tremia só de pensar em ter que cuidar de um serzinho tão delicado, já que nunca tive contato contínuo com bebês antes. Mas logo que ele nasceu foi incrível! Sei lá de onde veio isso, mas eu já sabia exatamente o que e como fazer, com total segurança. Não digo que as mães são fantásticas, tanto pro bem quanto pro mal?

    EMÍLIA: Também me canso de ver crianças com tanto amparo material e nenhum cuidado emocional por aqui. Você tem razão, com certeza as atitudes mais simples e sinceras é que fazem muita diferença. Dessa preocupação real com os filhos é que o mundo vai recebendo indivíduos melhores e viáveis pra convivência com os outros, né? Obrigada por seu carinho, querida. Sua presença aqui é muito importante pra mim.

    ERALDO: kkkkkkkkk!!!! Sua mamis tá precisando de um puxãozinho de orelha, é? Bom, novidade... Que mãe não precisa? Eu, como mãe, às vezes mereço uma surra! kkkkkkk!!!

    BEATRIZ: Mas é claro que vou já já conferir esse trabalho. Juntar palavras bem escritas com belas imagens é imperdível, lógico! E recomendo também aos meus leitores.

    BEIJOCAS PRA TODOS!

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  18. Interessante história, posso dizer que você é bem "feia" !?

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  19. Oi Rodrigo!

    Bom... Poder, pode... MAS NÃO DEVE, linguarudo!

    Beijoca!

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