sábado, 19 de abril de 2008

Barbárie contemporânea

Qualquer pessoa minimamente sensível ficou chocada com o caso de Isabella Nardoni, não há dúvida de que a brutalidade do crime tocou até mesmo os corações mais endurecidos.

Mas além do fato em si, o que me deixa absurdamente perplexa é o comportamento da população diante dos acontecimentos. É com indignação que venho acompanhando o movimento da massa acéfala, dia após dia. É por isso que preciso voltar a esse assunto.

O que levou mais de 300 pessoas, num dia útil, a passar dia e noite em frente à delegacia onde os suspeitos foram interrogados? Entre essas pessoas, segundo a Folha de São Paulo, estava, por exemplo, um morador de Cuiabá, que dirigiu 12 horas seguidas apenas para se juntar à massa, que organizava-se em coro: "Pega lá, pega lá, pega lá... o casal pra nóis linchá (sic)". Pedras foram arremessadas, um bolo de aniversário surgiu no meio da confusão para que ridiculamente fosse entoado um "Parabéns a Você" em homenagem ao aniversário da menina que teria acontecido ontem, planos de vingança foram cuidadosamente elaborados: "Eu mesma quero asfixiá-lo e depois pisar no pescoço dele quando estiver caído", dizia uma mulher de 43 anos. "Sai da frente porque eu quero cuspir na cara desse homem", gritou uma adolescente, tentando ultrapassar a barreira policial.

Isso tudo dirigido a um casal que ainda nem foi julgado e respingando cruelmente sobre as famílias de ambos. Mesmo que todos os indícios apontem para a culpa dos supeitos, nos cabe apenas aguardar os resultados da investigação e esperar que a justiça seja feita de acordo com os trâmites legais.

Essa barbárie contemporânea me remeteu ao século XIII, aos sangrentos tempos da inquisição, onde a execução em praça pública era um espetáculo disputado e apreciado pela turba enfurecida. Imaginava que este havia sido o período mais obscuro da humanidade, o auge da hipocrisia em nome da justiça e da religião.

Parei ainda para refletir sobre o que aconteceria a Jesus Cristo nos tempos atuais. O flagelo sofrido por ele e a crucificação nem chegariam a acontecer, já que certamente o povo se encarregaria da imolação por conta própria e com satisfação.

Infelizmente os efeitos dessa cultura de massa já pode ser visto ao redor do globo. A total falta de respeito pelo próximo, além da ausência de visão analítica e crítica torna as pessoas cada vez mais suscetíveis às armadilhas da mídia.

A grande pergunta que fica é se existe uma forma de reverter esse quadro pessimista e alarmante. Acho que a resposta está no próprio mecanismo que leva a esse comportamento deplorável. A mídia bem que poderia começar a trilhar o caminho inverso, reeducando as massas, resgatando valores já esquecidos e criando uma consciência coletiva de respeito e justiça.

5 comentários:

  1. Olá!

    Muito já foi dito sobre o bárbaro acontecimento. Eu não tenho mais paciência de ligar uma TV e ter que assitir a repetição da repetição da repetição.

    Eu, porém, faço uma reflexão e uma análise.

    A princípio, começo a ter medo de mim mesmo, afinal sou alguém "normal", "tranquilo", "de boa família", assim como os suspeitos.

    Independente da confirmação de que o pai e a madrasta terem sido os autores de tamanha brutalidade, devemos refletir sobre quem somos; até que ponto somos confiáveis?

    Olhemos para dentro de nós e vamos pedir que Deus nos ilumine e que nunca, jamais, venhamos ter pensamentos e obras errôneas.

    Deixemos as armas...

    Tânia, parabéns pela lucidez e clareza de leitura de tamanho espetáculo da barbárie.

    Beijo p'ra você.

    Abraços a todos

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  2. Os fatos sociais, para Durkheim, existem fora e antes dos indivíduos (fora das consciências individuais) e exercem uma força coercitiva sobre eles (ex. as crenças, as maneiras de agir e de pensar existem antes dos indivíduos e condicionam coercitivamente o seu comportamento)." Existem muitas pesquisas, muitos estudos e muitas teorias sobre o comportamento social. Até que ponto nossos pensamentos e desejos partem do nosso interior? Quantas idéias assimilamos e incorporamos como se tivessem partido de nós mesmos, quando na realidade são impostas pela sociedade como um todo? Seus comentários são muito pertinentes e mostram a pontinha do iceberg. Esse tema é extremamente complexo e pode provocar horas e horas de discussões. Parabéns! Como sempre arrasando nos textos!!!

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  3. Esse foi um crime absurdo, que deixa todo mundo chocado, só que não tem mesmo cabimento o desejo de fazer justiça com as próprias mãos. Outra coisa que também não tem o menor cabimento é a imprensa se aproveitar tanto disso e não falar sobre outra coisa. Uma falta de respeito atrás da outra. Bj!

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  4. Aqui no Rio, por causa da dengue, muitas pessoas, principalmente crianças, morreram nos últimos meses. Não que o caso da menina Isabella seja menos importante e não mereça atenção, mas não vi uma mobilização tão grande da imprensa voltada para um problema que ainda não foi resolvido e pode levar à morte de muito mais pessoas e crianças totalmente inocentes, vítimas do total descaso. O problema é que dengue não dá tanto Ibope.
    Tania, parabéns, mais um post que nos faz refletir. Bj!

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  5. Olá Tânia! Você abordou um assunto realmente complexo e concordo com o comentário feito pela Pet Clean, isso pode gerar horas de discussão.
    Uma multidão ocasional só se torna uma massa no sentido psicológico quando há algo em comum uns com os outros, um interesse comum num objeto, uma inclinação emocional semelhante numa situação ou noutra. Isto tem como resultado a exaltação ou intensificação da emoção produzida em cada membro.A massa não organizada é emocional, impulsiva, violenta, influenciável, sem auto-critica.
    O indivíduo numa massa está sujeito, através da influência desta, ao que com freqüência constitui profunda alteração em sua atividade mental. Sua submissão à emoção torna-se extraordinariamente intensificada e sua capacidade intelectual é acentuadamente reduzida.
    Nosso interesse dirige-se agora para a descoberta da explicação psicológica dessa alteração mental que é experimentada pelo indivíduo num grupo."A palavra mágica sugestão". Freud se pergunta porque na massa cedemos ao contágio de uma emoção e quando sozinhos resistimos?O que nos compele é a imitação...
    De qualquer forma, não há uma única conclusão a respeito desse comportamento.
    Parabéns pelos temas abordados e pela boa articulação de idéias.
    Um grande abraço!

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